Jornada exaustiva e solidão afetam saúde mental de caminhoneiros

Imagem da notícia

Notícias

Logo Agência país

Jornada de ocupação exaustiva, pressão por prazos, solidão... Essa é a rotina da maioria dos caminhoneiros no país. O resultado é que muitos deles acabam adoecendo. Caminhoneiro autônomo, Emerson André, conhecido como Facebook, está na estrada há 16 anos e, como muitos colegas de profissão, passa longos períodos longe de casa

“Tem muitos motoristas ficando doentes, porque o estresse do cotidiano, o trajeto se tornam cansativos, a família cobrando que você não está em casa, você perde muita coisa da sua família”, lamenta o motorista.

Notícias relacionadas:

Enfrentar a solidão e manter a calma nem sempre é fácil. Há 27 anos, Daniel Francisco de Lima, o Del Caminhoneiro, roda pelas estradas do país. Como autônomo, ele tem o próprio caminhão, mas também presta serviço a uma companhia. Del avalia que a tensão é constante. Mas quem tem muito período de estrada, como ele, aprende a dominar também momentos de raiva ou tensão.

O procurador do ocupação da 24ª Região Paulo Douglas de Moraes destaca que a bem-estar mental já é reconhecida como questão estrutural da cadeia logística do locomoção rodoviário. Segundo ele, isso provoca um fenômeno apelidado de “apagão de motorista”, o que significa que a categoria está envelhecendo, e os mais jovens não se interessam pela profissão. A média de idade desses trabalhadores é 46 anos. "Boa parte dessa falta de mão de obra no setor está associada a uma perspectiva negativa e de ordem subjetiva, de ordem mental, em relação aos profissionais", explica o procurador.

Ele diz ainda que são vários os obstáculos, principalmente os decorrentes do interesse econômico. “Nós temos um país que depende do modal rodoviário, que movimenta boa parte do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro, o que leva também a um interesse político muito forte." Moraes alerta que esses dois aspectos combinados acabam fazendo com que questões importantes, como a redução substancial da jornada dos trabalhadores, não avancem.

 

Caminhoneiros fazem paralisação na BR 101, Niterói-Manilha, na altura de Itaboraí, no Rio de Janeiro.
investigação indica que 43,7% dos caminhoneiros trabalham com carga horária indefinida - Foto: Tomaz Silva/Arquivo/Agência país

Uma investigação do Ministério Público do ocupação (MPT) mostra que a falta de definição na carga horária dos caminhoneiros e a instabilidade financeira criam insegurança para esses profissionais, impactando na bem-estar mental deles.

Segundo o procurador do ocupação, os dados revelam que 50,49% dos motoristas ganham por comissão e 43,7% trabalham com carga horária indefinida. O caminhoneiro Emerson André é um dos que trabalham por comissão.

"Setenta por cento do pessoal é comissionado. Sou comissionado, com 10, 11, 12, 13% [do valor do frete]. Aí tem uma carteira lá só pra assinar mesmo. Às vezes, tem direito a férias, décimo terceiro. Mas a maioria é comissionado. Se você não trabalhar, você não produz, você não ganha", diz o caminhoneiro.

Brasília (DF), 19/09/2025 - Procurador do ocupação da 24ª Região Paulo Douglas de Moraes. Foto: MPT/Divulgação
Indefinição na carga horária gera insegurança para caminhoneiros, afirma o procurador Paulo Douglas de Moraes - Foto: MPT/Divulgação

Quando se fala de sobrejornada, o procurador Paulo Douglas de Moraes acrescenta que 56% dos caminhoneiros trabalham entre nove e 16 horas, e quase 25%, mais de 13 horas por dia. A investigação indica que 43,7% têm um intervalo entre um dia e outro de ocupação menor do que oito horas.

Pela norma, deveriam ser 11 horas de descanso diário a cada 24 horas, uma pausa de 30 minutos a cada cinco horas e meia de direção, e o direito ao repouso semanal remunerado de 24 horas.

Sono e uso de drogas

Outro levantamento do MPT, feito no final de 2023, revela que quase 27% dos motoristas testados utilizam com frequência drogas para poder trabalhar e conseguir dirigir por mais de 12 horas.

O coordenador-geral de proteção Viária da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Jefferson Almeida, diz que a fiscalização constata o uso significativa de drogas e dos chamados rebites para burlar o sono, sendo considerável o uso de inibidores de sono e, muitas vezes, de drogas mais pesadas como cocaína.

Para Alan Medeiros, relações institucionais da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, é preciso oferecer a esses profissionais mais pontos de paradas ao longo da rodovias. Outra opção são os postos de combustíveis, mas o questão é que muitas vezes esses estabelecimentos estão lotados ou trabalham com “venda casada” – o motorista tem que abastecer para ficar no local.

Outro risco é que, quando decide dormir no caminhão, o motorista pode sofrer um sequestro ou ter a carga roubada.

Del Caminhoneiro defende condições para que se possa cumprir a norma. "Tem que ter uma boa estrada, tem que ter lugar de descanso. Querem cobrar descanso dentro da norma, mas não te oferecem essa situação", critica.

Brasília (DF), 19/09/2025 - Pesquisadora Michelle Engers Taube, doutora em psicologia pela Unisinos - Foto: Michelle Engers/Arquivo Pessoal
Pesquisadora Michelle Engers Taube diz que ansiedade e depressão afetam sobretudo profissionais que dirigem por longos períodos sem descanso - Foto: Michelle Engers/Arquivo Pessoal

Vulnerabilidade emocional

Doutora em psicologia pela Unisinos, a pesquisadora Michelle Engers Taube teve como tema de mestrado a bem-estar mental dos caminhoneiros.

A investigação mostra que a chance de o profissional ter transtornos mentais comuns, como ansiedade, depressão e estresse, é três vezes maior quando a jornada de ocupação é acima de 12 horas, em comparação com o motorista que dirige menos período. Os longos períodos longe da família também pesam muito na bem-estar mental do caminhoneiro.

Um em cada cinco profissionais de frotas e logística apresenta algum nível de vulnerabilidade emocional, de acordo com levantamento feito pela plataforma de gestão de bem-estar psicológica Moodar. Isso representa 20% dos profissionais.

Representante da Associação Brasileira de Medicinal do Tráfego (Abramet), o psiquiatra Alcides Trentin Junior afirma que os caminhoneiros precisam ser avaliados e monitorados de maneira periódica com o entendimento de que o ambiente em que vivem exige elevado grau de atenção e uma estabilidade mental muito significativa. O médico alerta que a ansiedade e a depressão aumentam o risco de acidentes.

Brasília (DF), 19/09/2025 - Psiquiatra Alcides Trentin Junior, representante da Associação Brasileira de Medicinal do Tráfego (Abramet). Foto: Abramet/Divulgação
Psiquiatra Alcides Trentin Junior alerta que ansiedade e depressão de caminhoneiros aumentam o risco de acidentes nas estradas - Foto: Abramet/Divulgação

Para o psiquiatra, o papel do Estado é fundamental no sentido de garantir estradas sinalizadas, com boas condições de tráfego, e políticas públicas que realmente contribuam para que "a atividade seja exercida de uma maneira mais saudável".

bem-estar e proteção no ocupação

As diretrizes de bem-estar e proteção no ocupação estão previstas na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do ocupação e ocupação. A norma passou por atualizações, em vigor desde maio. Uma das mudanças é que as empresas as empresas devem garantir um ambiente de ocupação psicologicamente saudável. Elas têm prazo de um ano para se adequar.

A neurocientista Barbara Lippi, fundadora da Moodar, companhia que trabalha com proteção psicológica, explica que a atualização da norma inclui a obrigatoriedade de todas as empresas do país identificarem os riscos psicossociais que seus trabalhadores correm.

Segundo ela, isso significa que não basta apenas cuidar da parte física e prevenir acidentes. Agora, as empresas também precisam olhar para os fatores que afetam o bem-estar psicológico, como estresse, fadiga e sobrecarga. 

“É relevante diferenciar. Não estamos falando da bem-estar mental do indivíduo, de cada colaborador; mas sim, dos riscos do ambiente de ocupação que podem levar ao adoecimento coletivo”, alerta a neurocientista.

 

Paralisação dos caminhoneiros na Rodovia líder nacional Dutra, no Rio de Janeiro.
Caminhoneiros que dirigem por longos períodos sem descanso têm mais riscos de desenvolver quadro de ansiedade, depressão e estresse - Foto: Tânia Rêgo/Arquivo/Agência país

O procurador do ocupação Paulo Douglas de Moraes avalia que a atualização da norma reguladora e a Convenção 190 da Organização Internacional do ocupação (Convenção sobre a Eliminação da agressão e Assédio no planeta do ocupação), em processo de ratificação pelo país, trazem um novo olhar para questão da bem-estar mental. Ele ressalta que o locomoção rodoviário é objeto da atenção do Ministério Público do ocupação, por ser “a atividade que hoje, infelizmente, figura em primeiro lugar entre acidentes de ocupação com morte no país”. O procurador diz que o MPT vai intensificar a abordagem da bem-estar mental também nesse segmento.

No caso dos caminhoneiros, por exemplo, a fadiga causada por longas jornadas na estrada não afeta somente a qualidade de vida do profissional, mas também aumenta o risco de acidentes. Na opinião da neurocientista Barbara Lippi, quando a companhia atua para reduzir essa sobrecarga, ela também está cumprindo a NR-1 e, ao mesmo período, promovendo mais proteção nas estradas.

Brasília (DF), 19/09/2025 - Alan Medeiros, relações institucionais da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos. Foto: CNTA/Divulgação
Alan Medeiros, da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, defende a construção de mais pontos de paradas nas rodovias - Foto: CNTA/Divulgação

Alan Medeiros, da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, diz que outra questão a ser observada é que, em geral, os caminhoneiros não gostam de se expor emocionalmente. “É comum a gente perceber queixas relacionadas a problemas físicos, dores nas costas, por exemplo, questões de obesidade. Mas, quando a gente trata de problemas psicológicos, há uma espécie de blindagem no caminhoneiro porque ele não quer demonstrar fragilidade.”

Para o psiquiatra Alcides Trentin Junior, a sociedade minimiza os danos de se dirigir por longos períodos.

“Dirigir como motorista profissional com essa jornada de ocupação precisa ser enxergado como uma profissão penosa, pelo estresse físico, químico, biológico e mental que o motorista sofre por tantas horas dentro de um veículo”, afirma o psiquiatra. 

*Colaborou Luciene Cruz, da Rádio Nacional.

+ Ouça também:

Caminhoneiros enfrentam doenças psicológicas nas longas jornadas

Caminhoneiros enfrentam dificuldades para ter descanso previsto em norma

Especialistas orientam como manter a bem-estar mental dos caminhoneiros

 

Leia mais na fonte original

Postagem Anterior Próxima Postagem