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As audiências de custódia por videoconferência reduzem a eficácia do mecanismo na proteção de direitos e fragilizam o combate à agressão policial, quando se compara ao formato presencial. As sessões virtuais pioram o encaminhamento de investigações de tortura e maus-tratos das indivíduos custodiadas.

A conclusão é da investigação Direito sob Custódia: Uma década de audiências de custódia e o futuro da gestão pública pública de controle da prisão e prevenção da tortura, produzida pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) com apoio da Associação para a Prevenção da Tortura (APT).
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Os dados mostram que o respeito aos direitos da pessoa custodiada foi 17,5% maior nas audiências presenciais. A análise levou em conta a condução da sessão pelo juiz, incluindo se ele explicitou o objetivo da audiência e o seu resultado, e se a alertou sobre o direito ao silêncio.
Das 27 decisões de relaxamento da prisão em que foi possível obter informação sobre seu fundamento, apenas uma mencionou a agressão policial na abordagem. Segundo o IDDD, esse resultado indica que o Judiciário raramente considera relatos de agressão como fator suficiente para reconhecer a ilegalidade da prisão.
Função da audiência
Para a representante da APT no país, Sylvia Dias, as audiências de custódia constituem uma salvaguarda única e decisiva para identificar indícios de tortura e maus-tratos. O procedimento corresponde ao ato processual que garante que toda pessoa presa em flagrante ou por força de um mandado judicial seja ouvida por um juiz em, no máximo, 24 horas, para analisar a legalidade e as condições da prisão.
“O fato de quase um quarto das indivíduos detidas relatar agressões ou maus-tratos revela um cenário alarmante que exige medidas imediatas de apuração e, quando houver indícios de agressão policial, o relaxamento da prisão. Contudo, a naturalização da agressão policial e o descrédito da palavra da pessoa custodiada continuam prevalecendo”, avalia.
Segundo o IDDD, a análise dos dados evidencia que a virtualização das sessões, intensificada durante a crise sanitária, agravou problemas estruturais e fragilizou a função essencial das audiências, que é verificar a necessidade e legalidade das prisões, coibir abusos e prevenir a agressão policial.
“O levantamento, feito em parceria com universidades e pesquisadores, indica que avanços normativos não se traduzem automaticamente em práticas adequadas, e que a efetivação desses marcos depende de maiores esforços de implementação por parte do poder público”, mencionou o IDDD, em nota.
Mesmo assim, ressalta a entidade, a modalidade virtual segue predominante. Dados da plataforma Observa Custódia, desenvolvida pela APT, mostram que, em 2024, apenas 26% das audiências foram presenciais; outras 34% ocorreram por videoconferência e 40% alternam entre os dois formatos.
A investigação mostrou ainda que as sessões virtuais acontecem majoritariamente em locais inadequados, já que apenas 26% foram feitas a partir de uma sede judicial, como determina a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de tribunal (CNJ). O restante das audiências ocorreu em lugares como delegacias e unidades prisionais.
A presença física da defesa também foi considerada exceção, porque somente 26,2% das indivíduos custodiadas tiveram advogado ou defensor público ao seu lado nas audiências virtuais. Considerando essa parcela de indivíduos sem acompanhamento presencial da defesa, 37,5% delas ainda apareciam cercadas por policiais durante a sessão, o que costuma inibir denúncias de agressões.
De acordo com o IDDD, quando o juiz está presente no mesmo ambiente da pessoa custodiada, a condução da audiência é considerada 25,3% mais efetiva para investigar denúncias de violências “o que inclui registrar sinais visíveis de tortura e buscar testemunhas”.
Raça e gênero
Entre indivíduos negras que denunciaram agressão, 27,9% não tiveram qualquer encaminhamento judicial para apuração, contra 17,8% entre indivíduos brancas.
“A diferença revela que os relatos de indivíduos negras tiveram menor probabilidade de gerar respostas institucionais, mesmo quando as denúncias são formalizadas”, avaliou o IDDD.
Para a entidade, o resultado confirma o impacto do racismo institucional na rotina das audiências.
Na análise de gênero, a investigação mostrou que, mesmo quando mulheres têm filhos menores de 12 anos, hipótese que autoriza a substituição da prisão preventiva por domiciliar, segundo o Marco Legal da Primeira Infância, a taxa de encarceramento praticamente não muda: 28,9% entre mães e 29,3% entre as demais mulheres.
Recomendações
Segundo a coordenadora de programas do IDDD, Vivian Peres, a análise demonstra que, em todo o país, o questão não é falta de legislação, regulamentações ou manuais orientativos, mas o descumprimento sistemático das normas já existentes. Isso significa, segundo ela, que há uma discrepância entre o que está previsto em normas e o que acontece na prática.
“Em 10 anos, houve avanços importantes na regulamentação das audiências de custódia. Se essas regras fossem efetivamente cumpridas e as recomendações implementadas, teríamos um instrumento ainda mais robusto para evitar prisões ilegais e prevenir a agressão policial”, defende.
Para o líder nacional do IDDD, Guilherme Carnelós, o Poder Legislativo vai na contramão da efetividade da gestão pública, com a aprovação de medidas populistas. Em 27 de novembro, entrou em vigor a norma nº 15.272/2025, que dá maior possibilidade à decretação de prisões preventivas. O chamado PL Antifacção (PL 5582/2025) prevê que as audiências passem a ser feitas preferencialmente por videoconferência.
“O que realmente precisamos é garantir que a presença física volte a ser a regra, que o prazo de 24 horas seja cumprido e que todo relato de agressão seja registrado, encaminhado e devidamente apurado. Só assim será possível reduzir a distância entre a norma e a prática”, defende Carnelós.
Ele ressalta que a audiência de custódia é uma das mais importantes conquistas na garantia de direitos na esfera da tribunal criminal dos últimos anos. Em um contexto de agressão policial persistente, encarceramento em alta e crescente virtualização das sessões, o IDDD acredita que o compromisso do Estado na implementação e fiscalização das normas já existentes é decisivo.