Era uma vez um pacato lugarejo chamado Bom Que Dói, cuja rotina foi interrompida pelas primeiras chuvas de janeiro. As precipitações foram intensas, resultando no transbordamento do lago e na completa inundação do povoado.
No início, as pessoas ficaram em suas casas, esperando que a chuva cessasse. Porém, logo perceberam que a estiagem não chegaria tão cedo e que era impossível continuar naquela situação. Os mantimentos começaram a escassear, e a população se viu obrigada a tomar medidas para enfrentar o dilúvio diário.
As canoas, antes utilizadas apenas para a pesca, tornaram-se o meio de transporte principal. Muitos animais domésticos foram afogados e arrastados pelas correntezas. As casas, totalmente alagadas, precisaram ser adaptadas com a construção de plataformas suspensas de madeira. Os homens trabalhavam em mutirão, transportando madeira nas canoas, para reconstruir o lugar. Em poucos dias, o povoado começou a se reerguer.
No entanto, um fato perturbador causou apreensão aos pais das crianças de Bom Que Dói. Durante o dia todo, os pequenos se aventuravam nadando junto aos peixes, em uma prática arriscada de vida.
Quando chegava a noite, os pais notavam a ausência de seus filhos e saíam em busca deles. Para sua surpresa, encontravam as crianças dormindo debaixo d'água, em um estado de felicidade extrema, como se fosse algo perfeitamente normal.
Os meninos já tinham escamas e barbatanas como os peixes, enquanto as meninas desenvolviam caudas semelhantes às das sereias, entoando canções de amor ao anoitecer.
Após seis meses, as águas começaram a baixar e o povoado gradualmente voltou à sua forma original, exceto pelas casas suspensas nas plataformas, pois os moradores temiam o retorno das chuvas e novas inundações. As lavouras foram recuperadas e as atividades de pesca no lago retomadas, com abundante produção.