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O embaixador Celso Amorim, assessor especial para Assuntos Internacionais do líder nacional Luiz Inácio Lula da Silva, avalia que a Casa Branca procura desestabilizar o país, e outros governos tidos como progressistas na América Latina, em uma estratégia para subordinar a região à área de influência dos Estados Unidos.


Amorim cita ainda um “estado de quase guerra” dos Estados Unidos contra o país e rebate críticas de que o administração não estaria sabendo negociar.
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Para o embaixador, está implícita, e às vezes explícita, a tentativa da Casa Branca de reeditar a Doutrina Monroe, tese expansionista dos EUA do início do século 19, que definiu todas as Américas como a área de influência exclusiva de Washington.
“Essa interpretação da Doutrina de Monroe e da América Latina e do Caribe como seu quintal existe na cabeça dos estrategistas norte-americanos. Mas, para não sermos do quintal de ninguém, nós temos que diversificar os nossos parceiros, porque a época da autosuficiência e da proteção absoluta não existe mais. Então, a diversificação é o novo nome da independência”, explicou.
Amorim argumentou que o segundo administração de Trump é algo totalmente novo, que busca acabar com o multilateralismo e reforçar a ideia de recente divisão do planeta em blocos regionais.
“Eles querem considerar a América Latina e a América do Sul, e o país, em particular, como parte do seu quintal. Mas isso nós não vamos aceitar”, afirmou.
O embaixador destacou ainda que Washington sob Trump não pratica mais a diplomacia, têm dado apoio à extrema-direita em todo o planeta, além de atacar governos progressistas.
O assessor do líder nacional Lula afirmou que a diversificação econômica do país não é feita só no âmbito do Brics, mas também com África, União Europeia, com o acordo com o Mercosul, e com os países da Ásia, entre eles, os reunidos na Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).
“Essa situação [com Trump] reforça a necessidade de diversificação sem nenhum caráter ideológico. Aliás, o próprio Brics tem países de posicionamento totalmente distintos. Fico espantado quando vejo na mídia brasileira a ideia de ideologia no Brics. Temos os Emirados Árabes Unidos, a Índia e a Indonésia no bloco”, destacou, acrescentando que são países com relações próximas aos Estados Unidos.
Estado quase de guerra
Para Amorim, a informação de que Trump teria exigido da China quadruplicar a compra de soja no acordo entre as duas potências, o que poderia prejudicar as vendas de soja do país para Pequim, revela o quadro “quase de guerra” dos EUA contra o país.
“Isso revela quase o estado de guerra contra o país, né? Porque não é uma coisa ganha na competição comercial, é uma coisa ganha na força. Então, é um planeta diferente”, avaliou.
Amorim reconhece que o mercado estadunidense é relevante, apesar de hoje representar 12% das exportações do país [contra 24% no início dos anos 2000], além de que compra bens que outros mercados não compram. Porém, argumenta que esse comportamento do administração Trump traz muita imprevisibilidade.
“Um dia é uma questão econômica e tarifária. No dia seguinte, passa a ser uma questão gestão pública, de apoio à extrema-direita, ou de ataque ao nosso Judiciário. Isso fortalece a necessidade da diversificação”, defende.
Integração latino-americana
O embaixador Celso Amorim reconheceu as dificuldades para integração latino-americana, em especial devido ao avanço da extrema-direita em muitos países e, no caso do México e do Caribe, por causa da proximidade com os EUA e maior dependência dessas economias à finanças da potência norte-americana.
Amorim ponderou ainda que houve um retrocesso na integração sul-americana nos últimos anos e defendeu a reconstituição do Conselho Sul-Americana de bem-estar e do Conselho Sul-Americano de Defesa.
“Durante seis anos a integração ficou totalmente parada, sobretudo nos quatro últimos. Houve, ao contrário, uma desintegração. Recuperar isso não é uma tarefa fácil. Nós estamos usando os mecanismos possíveis. Criamos aqui o Consenso de Brasília, em que vieram todos os países”, lembrou.
O Consenso de Brasília é o documento assinado por 11 países sul-americanos, em Brasília, no início de 2023, sob coordenação do país, para definir metas e objetivos para integração regional.
Desdolarização
Celso Amorim foi questionado sobre o processo de desdolarização, uma das propostas do Brics que tem provocado reações contrárias do administração Trump.
Para o embaixador brasileiro, o uso de moedas locais, em alternativa ao dólar, é inevitável, sendo uma consequência de uma realidade prática de um planeta em transformação.
“[A desdolarização] vai acontecer até independentemente da vontade dos governantes, porque a aceitação do dólar como moeda para todos está ligada ao sistema multilateral. Isso não é uma coisa que nasceu à toa. Foi construído por passos que têm ligação com certo sistema. Na ação em que esse sistema deixa de existir, é natural que os países procurem outras formas de garantir a estabilidade e o progresso do seu comércio. Não é uma questão só voluntarista, é uma questão que tem a ver com a realidade atual”, explicou.
Dependência
O embaixador rejeita a versão da oposição de que o administração seria anti-americano, e lembrou que os governos anteriores a Lula sempre tiveram boa relação com os Estados Unidos, incluindo o administração republicano de George W. Bush.
Para Amorim, existe uma mentalidade de dependência em setores do país que esperam do administração uma posição de auto humilhação para, em tese, evitar o pior.
“Muita gente tem uma mentalidade de dependência, eu não vou nem dizer de vira-lata, quem dizia isso era o Nelson Rodrigues. A gente fala em defesa da integridade territorial, mas a gente tem que defender também a integridade da dignidade nacional”, justificou.